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O Contestado

 

Ao sul do Rio Iguaçu e ao norte do Rio Uruguai, uma área de, aproximadamente, 28.000 km2 chamou-se, no começo deste século, de Região do Contestado. Para entender o porquê do Contestado, precisamos saber dos fatos políticos e sociais que aconteceram na época e que podem ser assim descritos. Em 1853 deu-se a emancipação política do Paraná. Separou-se de São Paulo para formar a nova província. Na definição de suas linhas divisórias, no limite meridional, entrou em litígio com a Província de Santa Catarina, disputando o território do atual Oeste Catarinense. 


Este fato provocou muita contestação por parte de Santa Catarina. Começou a se questionar quem tinha razão. Nesse meio tempo, a região passou a ser desbravada. No começo deste século, tornou-se muito importante na Região o comércio de gado e erva. Toda a região questionada possuía amplas e boas pastagens naturais (estâncias de criar), bem corno vastos ervais nativos. 


Os coronéis, muito comuns na região, muitas vezes, politicamente, conseguiam a posse de grandes fazendas. Nessas fazendas eles trabalhavam e viviam com a família, os agregados e os peões. Os coronéis eram os donos de tudo: da terra, do gado, da área, da vida dos empregados, sendo, portanto, muito difícil para qualquer empregado libertar-se desse jugo. Porém, várias vezes, pelo fato de ser afilhado do coronel ou compadre desse, o agregado conseguia uma ou duas cabeças de gado, ou, ainda, algum dinheiro, pouco. Quando isso acontecia, ele saía da fazenda e ia ocupar as terras devolutas (terras sem dono) que existiam, apossando-se delas e tornando-se posseiro.


Nessas condições, em toda a extensão das terras do Contestado, era comum a figura do posseiro; existiam muitos. Os posseiros, agregados e peões possuíam um alto grau de religiosidade. A religião era, geralmente, orientada pelo Monge João Maria (homem muito bom). Não havia, porém, a possibilidade do pequeno produtor, o posseiro, comercializar sua produção. Diante disso, sem outra alternativa, obrigava-se a vender ao coronel a erva-mate e outros produtos, por um preço sempre muito baixo. Por outro lado, o posseiro, homem simples e de pouca instrução, instalava-se e não se preocupava em documentar a posse da terra, simplesmente morava em cima dela.


Em 1901, Santa Catarina recorre ao Supremo Tribunal Federal, reivindicando o domínio do território Contestado. Em 1904 o Supremo dá ganho de causa a Santa Catarina e confirma, apesar dos protestos de Rui Barbosa, advogado do Paraná, em 1910, a sentença dada. Apesar de tudo, a sentença não foi colocada em vigor. O tempo passava e, apesar das discussões, o território continuava sendo desbravado.

Mais posseiros, os chamados sertanejos, iam-se instalando na Região Contestada. Em 1889, foi montado o projeto para a construção da Estrada de Ferro Itararé, SP — Santa Maria, RS, ligando os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, passando pelo Paraná e Santa Catarina.


Havia grande interesse do Governo na construção da estrada, por vários motivos, principalmente por estarem tensas as relações entre Brasil e Argentina. A estrada foi iniciada em 1890, com capital vindo da Europa, Inglaterra e França, em cujo contrato de concessão estava fixada a exigência fundamental, a cessão gratuita das terras marginais à firma construtora, isto é, uma faixa marginal de 15 km (6 milhões de acres), destinados à colonização. 


A estrada começou no Rio Grande do Sul, porém, pela demora, no ano seguinte a concessão de São Paulo foi transferida para a Brazil Railway Company, de propriedade do americano Percival Farguhar, que comprou o controle acionário da Companhia Estrada de Ferro São Paulo — Rio Grande do Sul. A construção da Estrada de Ferro colocou na região mais alguns problemas sociais, que vieram a se somar aos já existentes, os posseiros, ou seja, a firma possuía cerca de 8.000 operários, distribuídos em turmas, cada turma tinha um feitor que usava a violência em caso de qualquer protesto; a firma não efetuava pagamentos, não oferecia condições de trabalho e os operários eram obrigados a comprar os mantimentos nos armazéns da Companhia.

As mortes eram frequentes, feitas pela guarda de segurança da companhia. Em 1909, prevendo o aumento dos negócios da madeira pela exportação (através da ferrovia), a Brazil Railway Company subsidia a Southern Brazil Lumber Company, que instala na região as duas maiores serrarias do Sul do Pais, uma em Três Barras e uma em Calmon. As duas eram completamente mecanizadas, quase não necessitavam de mão de obra e, como produziam muito, provocavam a falência das pequenas serrarias da região. Por outro lado, o corte de pinheiros era completamente indiscriminado e, a par de outros motivos, provocava mais um problema social, o desmatamento. Prejudicou a criação de porcos debaixo dos pinhais, a extração da erva-mate e as pequenas serrarias. 

Em 1910 ficou pronta a ferrovia. A companhia, por sua vez, despediu os funcionários que, simplesmente, ficaram sem ter para onde ir. Com o direito de posse das terras marginais da estrada garantido por lei, a companhia, inescrupulosamente, expulsou os posseiros das terras, para explorar a madeira e colocar nelas os colonos estrangeiros. A expulsão era feita pela guarda de segurança da firma e, muitas vezes, foi usada a violência. Assim, tanto posseiros quanto operários ficaram sem ter lugar nenhum, ambos ficaram prejudicados em seus direitos. 


Os sentimentos religiosos, brotados da pregação do monge São João Maria estavam muito presentes, porém, como esse havia desaparecido, o povo alimentava a esperança de sua volta. Mas quem apareceu foi Anastas Mercaf, que se intitulava João Maria de Jesus. Pregava, aconselhava e dava remédios, como seu antecessor. Em 1906, morreu João Maria de Jesus, deixando desolados seus seguidores.

A população ansiava pelo aparecimento de outro monge (líder). Assim, quando apareceu o monge José Maria, foi recebido com satisfação, pois ele chegou num momento de desespero do povo e serviu de guia. José Maria, na realidade, se chamava Miguel Lucena e era desertor da Polícia do Paraná. Agregou em torno de si todos os injustiçados e descontentes. Com o conhecimento militar que possuía, passou a organizar os revoltosos para a ação armada. Instalou-se, temporariamente, com os seus adeptos, em Curitibanos. 


O Governo Catarinense sugeriu, pacificamente, que se deslocassem para o outro lado do Rio do Peixe, o que o monge acatou. O Governo do Paraná interpretou o fato como uma invasão catarinense às terras do seu Estado e mandou forças militares para expulsar os invasores. Nesse dia, aconteceu o combate de lrani, SC, quando morreram o comandante das Forças Paranaenses, Coronel João Gualberto e o Monge José Maria. Isso aconteceu no ano de 1912 e serviu como estopim para o começo da Guerra do Contestado, que só foi terminar em 1916 pelas ações intervenientes da Força do Exército. 

A ferrovia revelou-se uma das causas da deflagração do conflito armado, foi envolvida por tristes acontecimentos e depois, como feliz conseqüência, constituiu-se no principal marco desbravador regional, com seus trilhos transformadores e condutores do progresso.

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01/06/2013 12:06