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A Guerra

 

Nos anos próximos ao ano 1853, na área em que foi criada a Província do Paraná, por desmembramento de São Paulo, uma antiga questão de limites remontava ao período colonial.

 

Vários atos haviam alterado a divisão territorial do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e de São Paulo, criando, ampliando ou extinguindo comarcas e distritos, conforme as conveniências do governo central e também das administrações regionais.

 

A nova Província do Paraná herdou as questões que se arrastavam entre Santa Catarina e São Paulo, que ao final do século XIX, que ainda não tinham sido dirimidas. Santa Catarina pretendia que seus limites se estendessem para o norte até os rios Negro e Iguaçu, e para o sul até a linha dos rios Canoas, Pelotas e Uruguai, enquanto que o Paraná afirmava que esses três últimos rios definiam os limites com o Rio Grande do Sul.

 

A guerra do contestado se desenrolou em uma área disputada pelas duas províncias, área de aproximadamente 48.000 km². Embora houvesse quem lutasse também por esta causa, a problemática territorial envolvendo catarinenses e paranaenses não se situa entre as principais razões do conflito. Levada aos tribunais, a questão de divisas foi resolvida na justiça em 1916, no ano em que termina a Guerra do Contestado.

 

De 1854 até o advento da República, deputados do Paraná e de Santa Catarina apresentaram mais de uma dezena de sugestões e projetos sobre seus limites, sem nenhum sucesso. Depois da proclamação da República, as províncias foram transformadas em estados, mas as linhas divisórias permaneceram indefinidas. A partir daí, cada estado foi tentando firmar posse no território. O governo do Paraná concedia terras a fazendeiros por toda a região em litígio, sob a condição de que estes se afirmassem paranaenses. O mesmo fazia Santa Catarina, expedindo títulos de posse de terras a quem lhe desse o respeito.

 

Depois de muitas ações na Justiça, vitórias, derrotas e contestações, as partes chegaram a um acordo em 1916. Entenderam que só a diplomacia resolveria a questão, cada um cedendo um pouco. Em outubro desse ano, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, os governantes Felipe Schmidt (Santa Catarina) e Afonso Camargo (Paraná) finalmente assinavam o Acordo de Limites que concedia a Santa Catarina 28.000 km² do território contestado, cabendo os outros 20.000 km² ao Paraná.

 

Enquanto durou, quem mais sofria com a disputa de limites era o caboclo. Segundo Thomé (1992), "o governo paranaense não reconhecia como legal nem o seu registro de nascimento, quanto mais de casamento, se fossem expedidos por autoridades catarinenses na área. Se a fazenda barriga-verde cobrava impostos numa barreira, de um lado de um rio, do outro lado estavam postados os fiscais do Paraná para nova cobrança. Nenhum estado realizava investimentos nas áreas de educação, saúde, transportes, comunicações, energia, segurança e economia, sob a expectativa de uma solução final contrária às respectivas aspirações e a consequente ameaça de perder a aplicação".

 

Os investimentos só começaram em 1917, quando, para firmar posse no território, Santa Catarina criou os municípios de Mafra, Porto União, Cruzeiro (atual Joaçaba) e Chapecó.

 

Paralelamente à disputa territorial entre Santa Catarina e Paraná, outra questão, envolvendo a Argentina, desenrolou-se na mesma época. Em 1881, a Argentina passou a reclamar como sua a área entre os rios Iguaçu e Chapecó. A reclamatória ganhou, do lado argentino, o nome de "Questão das Missões". Na defesa do território, o Brasil denominou-a "Questão de Palmas".

 

A rixa entre os dois países foi um dos fatores que motivou a construção da estrada de ferro São Paulo - Rio Grande. Uma ferrovia ligando o centro ao Sul do país facilitaria o deslocamento de tropas do Exército para defender o território, se necessário.

 

A guerra não foi necessária. Em 1894, os dois países concordaram em estabelecer um arbítrio internacional para resolver a questão. A decisão coube ao então presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland, que, no ano seguinte, dava ganho de causa ao Brasil, garantindo em paz a posse de 30.622 km² das terras questionadas.

 

No ano de 1906, Percival Farquhar, trouxe para concluir a Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande a empresa Brazil Railway Company, que adquiriu a concessão para construí-la. Vinhas de Queirós (1981, p. 69) acrescenta que: "Dois anos antes, os trilhos, partindo de São Paulo, haviam chegado a União da Vitória e tinha sido inaugurada uma ponte sobre o Rio Iguaçu. Até aquela época a concessão da estrada pertencia a uma companhia francesa, mas esta cedera os seus direitos à Brazil Railway Company, organizada na cidade de Portland, Estado de Maine, Estados Unidos".

 

Foram contratados por todo o Brasil cerca de 8.000 trabalhadores, que levaram dois anos para construir o trecho entre União da Vitória e Marcelino Ramos, que atravessa a área contestada. Após o término da obra, muitos trabalhadores retornaram aos seus locais de origem, muitos continuaram em outras obras com a empresa e muitos resolveram ficar, construindo ranchos nas proximidades dos trilhos em meio à mata virgem.

No início do século XX, no Brasil vivíamos ainda sem nenhuma legislação trabalhista e recém saíamos de um regime de quase 400 anos de escravidão. Isto tornava as relações trabalhistas totalmente desfavoráveis aos trabalhadores, fazendo-os trabalharem em regimes de semi-escravidão, como destaca Mocellim (1989, p. 20): "Para construir esta maltraçada estrada de ferro, trabalharam de quatro a oito mil homens, sob um regime duro, de semi-escravidão. A companhia não efetuava o pagamento em dia, obrigava os trabalhadores a comprar mantimentos em seus armazéns, além de manter uma guarda de segurança encarregada de punir os que se rebelassem".

 

Como ocorreu troca de favores entre a Brasil Railway Company e o Governo, esta recebendo 15 Km de cada lado do eixo da ferrovia, Mocellim (1989, p. 20) acrescenta que "A área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado".

 

A chamada concessão de 15 Km recebida pela empresa de Percival Farquhar, claro que com objetivo de explorar a madeira ali existente, trouxe consequências terríveis para os moradores da região, conforme destaca Auras (1995, p. 39): "Concluídos os serviços de construção da estrada de ferro, os milhares de trabalhadores não foram reconduzidos aos seus lugares de origem. Toda essa massa humana - revoltada pelo tratamento duro a que acabara de ser submetida e com maior ou menor experiência de vida urbana - aumentou em muito e rapidamente o número de moradores locais, contribuindo enormemente para o rompimento do frágil equilíbrio social vigente que, aliás, já vinha sofrendo bastante como a privatização da propriedade da terra e como a crise na comercialização do mate. Sem outra perspectiva de trabalho, esses homens foram erguendo suas toscas residências ao longo das terras vizinhas ao leito da estrada de ferro".

 

A partir de 1911 todos os que ocupavam a área próxima aos trilhos começaram a ser expulsos. A Lumber madeireira e colonizadora, com objetivos bem definidos dentro da nova lógica capitalista que era introduzida na região, começam a explorar as riquezas ali existentes e para isso necessitam expulsar os invasores que seriam os moradores locais. Assim a Lumber colonizadora amplia a colonização na região trazendo mais imigrantes europeus e seus descendentes, incluindo os vindos do Rio Grande do Sul. Esta nova população na região também muda o aspecto econômico, como analisa Auras (1995, p. 43) "Com a presença desses imigrantes, a atividade agrícola, até então voltada para a geração exclusiva dos 'mínimos vitais' necessários à subsistência dos moradores da área, começa a produzir excedentes que seriam escoados, pela ferrovia, em direção ao centro consumidor da região cafeicultora paulista".

 

Portanto, o imperialismo atingiu seu objetivo pela qual excluiu a população local com sua cultura de subsistência, para introduzir na região a cultura do lucro e da acumulação capitalista.

 

A Madeireira Lumber foi o principal empreendimento de Percival Farquhar, mais importante que a construção da própria estrada de ferro. Através da madeireira tornou-se possível à extração da madeira na região que atingia uma área de 3.248 Km². O equipamento utilizado era de alta tecnologia importada da Europa e EUA, tornando-se a maior madeireira da América Latina. Foram instaladas duas serrarias uma em Três Barras, empregava 800 operários, a maioria descendentes de imigrantes ou estrangeiros, produzindo 300 metros cúbicos de madeira por dia. A outra funcionava em Calmon ao lado da estrada de ferro. Para escoar a produção da madeira, foi construída uma estrada de ferro ligando ao porto de São Francisco, dali a madeira seguia para EUA e Europa. Durante quatro décadas foram praticamente esgotadas as reservas de araucárias, cedros e imbuias das florestas nativas do meio oeste catarinense.

 

A revolta da população local contra a Lumber tinha justificativa devido a agressão que a mesma fazia. Primeiramente expulsando a população cabocla dos 15 Km de cada lado da estrada de ferro que recebeu do governo, posteriormente investia além desta área, fazendo acordos com fazendeiros e coronéis que tinham mais interesse nos campos do que no mato. A destruição dos ervais nativos provocava revolta na população cabocla, pois via assim seu meio de subsistência destruído.

 

Outra consequência provocada pela Lumber foi a quebradeira das pequenas serrarias que existiam na região que empregavam trabalhadores locais e alimentavam a economia local. Vinhas de Queirós (1981, p.74), destaca ainda que "a Lumber loteou e começou a vender a colonos estrangeiros terrenos ao longo da estrada de ferro, depois que dali tinham sido expulsos os posseiros e antigos proprietários. Procurava seguir, assim, o exemplo da Canadian Pacific Railway, cujos lucros àquela época eram considerados pelos grandes empresários em outras partes do mundo um ideal a alcançar".

 

Portanto, a Lumber irá seguir a lógica da acumulação capitalista, sendo uma das primeiras multinacionais a se instalar no país. Seu proprietário em conluio com fazendeiros, coronéis e com a conivência dos governantes viam na exploração da madeira uma forma de buscar o lucro fácil. A terra que, até então, era de uso comum e apresentava forças sociais eminentemente locais, permitia a existência do indivíduo, apenas para a sobrevivência. Mas com a chegada do capitalismo à apropriação da terra será de quem possui poder e capital, isto irá provocar novas relações sociais na região como destaca Auras (1995, p.41). "A transformação da terra em bem de produção acarretou a institucionalização da propriedade privada, em detrimento da simples ocupação ou posse".

 

O que estes grupos econômicos não esperavam era uma forte reação dos moradores do sertão. Os caboclos ou sertanejos que ocupavam estas áreas há mais de século sentiram-se excluídos pela agressão da Lumber e passaram a hostilizar tudo a que ela fosse ligado. Desta forma estavam estabelecidos os elementos econômicos para que eclodisse na região um dos mais sangrentos movimentos sociais no Brasil, pela posse da terra.

 

Como em outros Estados Brasileiros, Santa Catarina e Paraná ganharam força política com a instalação da República. O poder local, nas mãos dos grandes proprietários, tornou-se o meio de controle da ordem pública. Esse poder cresceu ainda mais ao se associar a grandes empresas, que desenvolviam importantes projetos de construção de estradas de ferro, extração de madeira e colonização. Tudo isso com apoio dos governos estaduais e do governo federal.

 

Primeiramente, é importante sabermos de onde vem à origem do coronel. Título dado no período Regencial aos grandes proprietários de terra que passavam a ter autorização do governo central para que possuíssem gente armada a seus serviços, para garantir a manutenção da ordem pública. "O título era 'entregue' ao chefe municipal de prestígio e a ele cabia todo poder decisório ao nível do município: econômico, político, judicial, policial. De 'fuga da moça' a crime de assassinato, o ônus da culpa, a seriedade do julgamento, ou a certeza da impunidade, tudo dependia do Coronel" (Trevisan, 1982, p. 24).

 

Desta forma, cada município tinha seu chefe local, o coronel, dono de muitas terras, temido por todos. Era ele que governava, com o apoio do governo estadual. Suas relações políticas com as autoridades estaduais baseavam-se na troca de favores. O governo atendia a seus pedidos, nomeava funcionários públicos por sua indicação, realizava as obras de seu interesse. Em contrapartida, ele garantia a eleição dos candidatos do governo, pois os eleitores votavam segundo sua determinação, por medo ou respeito.

 

No interior dos Estados e, especificamente em Santa Catarina, tanto o poder político quanto o poder econômico eram controlados pelos grandes coronéis, que dominavam a criação de gado e o cultivo de erva-mate e exerciam grande poder através de fortes laços de compadrio e afilhadagem. A hierarquia política era estabelecida pela quantidade de terra que possuíam.

 

O fazendeiro era o segundo posto na escala hierárquica, este também tinha muita terra, possuía centenas de cabeças de gado, era guarnecido por muitos capangas e peões. Na faixa intermediária da pirâmide apareciam os pequenos fazendeiros e pequenos proprietários de terra. Completando a pirâmide estavam os agregados, "que ali residiam com suas respectivas famílias. A lida com o gado (embora esse não fosse alvo de maiores cuidados) era a tarefa básica. Arrebanhar os animais, criados soltos pelos campos, dar-lhes sal, marcá-los, etc., consistia o dia-a-dia desses homens". (Auras, 1995, p. 28).

 

Os peões descendentes de grupos indígenas, diferentes dos agregados eram homens contratados apenas para a lida com gado, "a exemplo dos agregados, homens da inteira confiança do 'coronel', estando sempre à disposição, como uma espécie de força paramilitar, prontos para agir, nas ocasiões em que a situação exigia defesa" (Auras, 1995, p.28).

 

Também haviam os posseiros que viviam basicamente para a subsistência, produzindo em pequenas roças, estavam vivendo na região imigrantes poloneses, ucranianos, alemães e italianos.

 

Portanto, o coronelismo vivia seu auge no período da Guerra do Contestado. Influenciava em tudo e em todos na região, determinando a vida das pessoas nos seus mais variados aspectos.

 

O caboclo, gente humilde, que vivia de maneira simples, ocupando terras até então devolutas, passou a ser expulso pelo projeto Farquhar e pelos coronéis. Os coronéis com a influência que possuíam passaram a registrar terras em seus nomes e também expulsar a população que ocupava essas terras há séculos.

 

Nesta nova lógica econômica o caboclo passou a sofrer todo tipo de agressão, principalmente a expulsão das terras onde vivia. Assim, o coronelismo teve influência decisiva na revolta da população local. Sua ganância e o mandonismo reacionário, fez com que não houvesse outra alternativa para o excluído caboclo, que não fosse o enfrentamento, deflagrando assim a luta pela terra, denominada como Guerra do Contestado.

"Compreende-se afinal como, numa sociedade economicamente diferenciada e autocrática, que postula e ao mesmo tempo nega ao homem pobre o reconhecimento de sua condição humana, abrem-se veredas para o seu desvencilhamento e porque este processo se radicaliza" (Franco, 1976, p.101).

 

Os movimentos messiânicos irão se tornar comuns na cultura do povo simples do Brasil nos tempos de Canudos, Contestado e outros movimentos sociais. Desta forma o messianismo precisa ser compreendido em sua época.

 

Há um século atrás, o homem do sertão vivia no mais absoluto abandono por parte das autoridades. Até mesmo a igreja católica, única permitida a atuar no país, pouca importância dava ao sertanejo que vivia embrenhado nos mais distantes rincões. Assim a crença em um salvador ou messias, era a única possibilidade do sertanejo, que passava a praticar um catolicismo popular às margens da hierarquia católica, acreditando em um messias que prometia curas milagrosas e anunciava castigos terríveis e o fim do mundo para os infiéis. Estes messias representavam a possibilidade de salvação do corpo e da alma de um homem completamente desapegado dos bens materiais.

 

Particularmente no Contestado, iremos registrar a presença de três monges, bem identificados com a cultura caboclo. Primeiramente a presença de João Maria D'Agostini, italiano de nascimento, aparece na região por volta de 1842, pregando o bem e, segundo relatos, fazendo muitos milagres. Sua morte, assim como sua aparição são mistérios, pois como apareceu, sumiu não se sabe quando, nem como.

 

O segundo monge chama-se Atanás Marcaf. Era de origem síria e passou a usar o nome de João Maria de Jesus. Possuía muitos conhecimentos, vivia fazendo profecias, condenava as coisas materiais e nunca aceitava dinheiro pelo seu trabalho; também sua morte é desconhecida.

 

O terceiro monge é o curandeiro de ervas Miguel Lucena de Boa Ventura. Dizia-se irmão de João Maria D'Agostini, por isso chamava-se José Maria. Ele mais receitava do que rezava. Sua morte, diferentemente como ocorreu com os outros dois monges, vai acontecer na Batalha do Irani em 1912.

Mais União

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01/06/2013 12:06