Conclusão
As condições topográficas da Bacia do Iguaçu, no trecho entre Fluviópolis e União da Vitória, fazem o rio correr numa "calha principal", limitada por margens baixas e planas. Esta "Planície de Inundação" está sujeita a enchentes sempre que o volume de água escoado é muito grande. Nos 27 km entre União da Vitória e as corredeiras em Porto Vitória, trecho de transição entre o segundo e o terceiro planalto paranaense, a magnitude das vazões - vez ou outra ampliadas por eventos chuvosos extremos - fazem com que o rio extravase a calha principal (o leito natural), inundando as áreas de várzea.
Em todo o mundo, é comum, após períodos de anos sem grandes cheias, que as pessoas que moram próximas aos rios venham a se instalar mais próximas da sua calha principal, construindo moradias, indústrias, etc., como resultado da falta de informações ou memória de cheias passadas.
Em outras palavras, a ocupação humana de áreas de várzea, implica na convivência com enchentes. Isso sugere uma seleção de medidas de proteção e prevenção em busca de uma convivência harmônica com o rio.
A pesquisa histórica das cotas das enchentes e da evolução urbana, do crescimento da cidade, revelaram que alguns fatores criaram condições e motivaram a população e o poder público a ocuparem áreas inundáveis. Áreas sujeitas a enchentes com período de retomo próximo a 10 anos (7,14m na régua), foram ocupadas, tanto pela falsa noção de segurança originada por um longo período sem grandes precipitações, quanto pela ocupação em torno dos eixos prioritários de desenvolvimento da cidade, motivados por investimentos públicos.
Durante um período bastante longo, 47 anos, entre 1936 e 1982, ocorreram pequenas cheias. Todas inferiores a 2.700m3/s, aproximadamente 7,30m na régua (somente a cheia de 1957 quase atingiu este nível: 7,28m na régua, com vazão de 2.675m3/s). Entre 1958 e 1970, durante 13 anos, a maior cheia foi de 1560m3/s, apenas 5,32m na régua localizada na ponte Machado da Costa.
A ocupação das terras do lado paranaense após o Acordo de Limites (Guerra do Contestado, 1916) e, a construção da Ponte Manoel Ribas (1944), induziram povo e poder público municipal a ocuparem as áreas mais próximas às margens do rio Iguaçu.
A usina Bento Munhoz da Rocha Neto, em Foz do Areia, pode alterar os níveis de enchente em União da Vitória quando:
a) Os níveis em União da Vitória estiverem abaixo da cota de desapropriação;
b) Ocorrerem vazões excepcionalmente altas em União da Vitória sem rebaixamento do nível operacional.
Isto quer dizer que a influência da operação sobre níveis em União da Vitória pode elevar níveis e ocupar as terras desapropriadas até a cota 744,50m, sem prejuízos à população e ao poder público. Que, em períodos de precipitação alta, um rebaixamento em tempo e, adequado, deixa o rio dentro da sua condição de descarga natural. Em outras palavras, dependendo da operação, haverá ou não, influência sobre os níveis de enchente na cidade.
Os estudos levados a efeito pela SEC-CORPRERI possibilitaram o estabelecimento dos tempos de retorno das enchentes. Estabelecer o valor mais correto possível do tempo de retorno criou condições para a avaliação dos riscos e para a análise de viabilidade técnica e econômica de diversas medidas de proteção dentro da relação custo x benefício. COPEL, JICA e CERPAR realizaram campanhas de medição de vazões e levantamentos topobatimétricos entre Foz do Areia e Fluviópolis.
Concluiu-se que o aumento da capacidade de descarga das seções de escoamento é difícil de ser ampliada. A obtenção de ganhos significativos para a redução de níveis de enchente nas cidades se relaciona à falta de dec1ividade, ora ao custo das obras, ora aos riscos de se desencadear processos erosivos incontroláveis causando danos nas cidades (margens do rio, estabilidade das pontes).
A "comissão de enchentes" a partir disto, analisou as medidas que fazem parte do conjunto de obras que a população julga que seriam capazes de protegê-Ia do flagelo da inundação. Aí incluídas a retificação da curva da Ressaca, a abertura de um canal na Fazenda Brasil (retificando a curva no SENAI) e outro, nas corredeiras em Porto Vitória. Nenhuma alternativa apresentou o resultado esperado: redução significativa nos níveis de enchente em União da Vitória. Ressaca e Fazenda Brasil contribuiriam com cerca de 30cm.
O canal em Porto Vitória, ainda precisa ser entendido como apenas um dos pontos que dificultam a passagem da vazão das enchentes no trecho entre as corredeiras e a cidade de União da Vitória. É indispensável desobstruir todo o leito nos 27 km para "tirar" os outros pontos de estrangulamento, os afloramentos de rochas que dificultam a vazão entre União da Vitória e Porto Vitória. Os custos de remoção de rochas foram estimados em 430 milhões de dólares e reduziriam os níveis de enchente na cidade em apenas 60cm (JICA).
O resultado do trabalho de análise de todos os estudos levados a efeito desde 1984 sobre as enchentes em União da Vitória (PR) e Porto União (SC) e a presente atualização, sugerem, como medidas de proteção, pela viabilidade técnica e econômica e pelo quadro atual de ocupação urbana:
1. Construção de um sistema de diques com reassentamento, retificação da Curva da Ressaca e abertura de canal na Fazenda Brasil;
2. O zoneamento das áreas de inundação com reassentamento, normatização de uso do solo urbano, estímulo ao crescimento da cidade para áreas livres de risco de enchente.
O primeiro, procura garantir proteção até a cota 750,00m, nível da enchente de 1983. O segundo, define regras para ocupação de áreas com maior risco de inundação buscando inicialmente evitar novos prejuízos para a população e as cidades em enchentes até os 6,89 metros na régua (nos últimos 69 anos, ocorreram apenas 6 enchentes acima da cota 746,50m); adequar construções até a cota 750,00m e estimular investimentos de particulares e do poder público junto a um novo eixo prioritário de desenvolvimento.
Tanto o dique quanto o reassentamento, elegeram em função do quadro atual de ocupação urbana e do período de retorno das enchentes, a cota 746,50m como a cota alvo, capaz de promover a seleção de um conjunto de ações prioritárias em busca da proteção contra enchentes. O dique estudado pela JICA seria construído nesta cota por medida de segurança, a um custo estimado em US$ 86 milhes de dólares. População e construções que ocupam as áreas entre o dique e a margem do rio também deveriam ser reassentadas, relocadas.
Nessa linha de pensamento, a implantação de parques ambientais, de recreação, às margens do rio Iguaçu, estaria contribuindo para se evitar invasões em áreas de enchente, dotar a cidade de áreas de lazer e promover a atividade turística.
Com o levantamento dos prejuízos diretos causados pelas enchentes de 1983, 1992 e 1993 - astronômicos 89,9 milhões de dólares - descobriu-se um distanciamento social e econômico entre as cidades de União da Vitória e Porto União e outras tantas da região. Inferiu-se que tanto quanto a população quanto o poder público, despendem esforços e aplicam o resultado do seu trabalho na recuperação de perdas, de prejuízos causados pelas cheias. Em outras palavras, todos atrasando seu futuro. Os frutos do trabalho deveriam estar sendo investidos, direcionados em busca do desenvolvimento social e econômico. Na busca de alternativas para a reestruturação da atividade econômica.
O insucesso das cidades em busca de soluções para as enchentes está relacionado a uma visão desfocada do problema. A causa das enchentes não passa exclusivamente pela questão da operação em Foz do Areia ou das corredeiras em Porto Vitória. Passa, também, pela consideração das informações aqui citadas anteriormente. Assim, se é importante acompanhar o que está acontecendo no lago, é fundamental para instruir uma tomada de decisão sobre as ações voltadas à proteção contra cheias: a consideração das limitações hidrológicas, geográficas, de viabilidade econômica e também, uma mudança de endereço para a cobrança de uma parceria capaz de se atingir os resultados esperados. Não mais exclusivamente o da COPEL, mas também, do Poder Público, através da sociedade organizada.
A possibilidade de uma convivência com o Rio Iguaçu, através do reassentamento dos residentes abaixo da cota 746,50m e das ações complementares do "Programa União da Vitória", abre uma perspectiva de desenvolvimento social, econômico, capaz de inibir a desestruração social e o empobrecimento. O sucesso desta "empreitada" voltada a minimizar os impactos causados pelas cheias depende da parceria entre a sociedade organizada e o poder público.
De olho no futuro, a "cara feia e molhada" de Porto União da Vitória, estaria fazendo parte da sua história e, do passado. Esta geração estaria, além da ação responsável, dando um dos melhores exemplos de como organizar a sociedade, disciplinando o uso e a ocupação de áreas sujeitas a inundações, em busca de uma convivência harmônica com o rio.
CONHECENDO E CONVIVENDO COM ENCHENTES
Dago Woehl
27/12/1999