Breve História da Guerra do Contestado
(Nilson Thomé)
INTRODUÇÃO
No Meio-Oeste, Planalto Central e Norte de Santa Catarina, entre os vales dos rios Canoinhas (a Leste) e do Peixe (a Oeste), com os rios Negro e Iguaçu ao Norte e o Rio Canoas e Campos Novos ao Sul, localiza-se a área que entre 1913 e 1916 foi cenário da Guerra do Contestado e, por isso, historicamente é identificada como Região do Contestado. Faz parte de área maior, que antigamente se estendia ao Extremo-Oeste, na fronteira com a Argentina (atuais Oeste Catarinense e Sudoeste Paranaense), que constituía o Território Contestado, assim conhecido até 1917, quando da solução da questão de limites entre Paraná e Santa Catarina.
A linha (curso) da foz do Rio Canoinhas (no Rio Negro) às suas nascentes e destas às nascentes do Rio do Peixe até a sua foz (no Rio Uruguai) passou a ser considerada como “fronteira provisória” entre os estados litigantes em 1879. No final do século passado e início deste, o Paraná administrou e promoveu a ocupação das terras do Planalto Norte e da margem direita do Rio do Peixe, pelos municípios de Rio Negro, Porto União da Vitória, Três Barras, Itaiópolis e Palmas, e Santa Catarina as terras da margem esquerda, pelos municípios de Lages, Curitibanos e Campos Novos, depois também por Canoinhas.
Dentro da Floresta da Araucária, a região era praticamente desabitada, com suas vilas, povoados e fazendas, ligados entre si por estreitos e sinuosos caminhos, abertos pelos tropeiros. Entendida como “geração cabocla”, parte da população havia chegado na primeira metade do século passado, num processo de ocupação de terras livres e, outra parte, chegou após 1850, quando a Lei das Terras viabilizou sua instalação em pequenas e médias propriedades, contrastando com o modelo anterior de sesmarias, que havia permitido o surgimento de grandes fazendas.
Os criadores e lavradores luso-brasileiros vindos tanto de São Paulo e do Paraná, como do Rio Grande do Sul, mesclaram-se com os nativos índios Kaigang e Xokleng e com aqueles que haviam chegado antes, os negros escravos, os mamelucos (da mesclagem do branco com o índio), os cafusos (do cruzamento do negro com o índio) e os mulatos (mestiços do branco e do negro). Nesta época, chegaram também os primeiros eslavos, como resultado dos planos governamentais de imigração, principalmente alemães, holandeses, poloneses e ucranianos.
Distante das suas duas “capitais” - Florianópolis de um lado e Curitiba de outro - a região teve vagaroso ritmo de desenvolvimento. Tanto no Contestado-catarinense como no Contestado-parananense o povo vivia em solidão, longe dos recursos que a modernidade proporcionava às pessoas dos centros maiores. As estradas não passavam de trilhas abertas a facão nas matas. A população não dispunha de pronto atendimento médico, odontológico, farmacêutico ou hospitalar. As escolas primárias eram raras. A autoridade era exercida por superintendentes municipais, juízes-de-paz, delegados de polícia e pelos fazendeiros-coronéis.
A Igreja mantinha paróquias nas únicas cidades catarinenses existentes no início do século – Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas – e nas paranaenses de Palmas, Rio Negro e Porto União da Vitória, com poucos padres atendendo os fiéis em demoradas viagens pelos sertões, sendo que, neste quadro, despontaram na região pessoas “diferentes”, peregrinas e eremitas, consideradas Pequena História da Guerra do Contestado 9 “monges” pela população regional, algumas delas por se exercitarem como pregadoras e curandeiras, outras por se apresentarem como profetas, visionárias, charlatães ou fanáticas, enraizando nos caboclos uma forma de religião popular.
As principais atividades econômicas resumiam-se em: extração da erva-mate, tropeirismo, lavouras de subsistência, criação de gado bovino e de suínos. Não existiam indústrias. O comércio restringia-se a pequenas “bodegas” nas margens de algumas estradas. Este quadro não começou a se reverter a partir da abertura da EFSPRG, em 1910, como alguns podem pensar, mas, sim, após 1917, quando terminou a Guerra do Contestado e foi homologado o Acordo de Limites PRSC, quando então a Cia. Estrada de Ferro iniciou as tentativas de implantação dos planos de colonização nas terras marginais aos trilhos e quando a Lumber Company entrou em plena operação.
É neste cenário que insere-se a Guerra do Contestado... Aproximadamente seis mil pessoas foram mortas no sertão do Estado de Santa Catarina, entre dezembro de 1913 e janeiro de 1916.
Após quase três anos conflituosos, cerca de nove mil militares e civis, entre mortos, feridos, desaparecidos e desertores, deram baixa nos campos de batalha da Guerra do Contestado, um dos mais sangrentos episódios da História do Brasil, que manchou com sangue uma área de 15.000 km, então habitada por menos de 50 mil pessoas.
No auge do conflito, entre o final de 1914 e o início de 1915, estavam em ação 8.000 militares, sendo 7.000 soldados das armas da Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia do Exército Brasileiro, do Regimento de Segurança do Paraná, do Regimento de Segurança de Santa Catarina, mais 1.000 civis regionais contratados pela União.
O inimigo: Exército Encantado de São Sebastião, informal, com 10.000 combatentes, entre homens, mulheres, idosos e crianças, na maioria caboclos luso-brasileiros, armados com revólveres, espingardas e facões.
A Guerra do Contestado foi o evento bélico mais importante da História de Santa Catarina, envolvendo a população sertaneja de um lado e forças militares nacionais e estaduais do outro. O evento, que aconteceu em terras administradas por Santa Catarina e leste do Rio do Peixe, é definido por estudiosos como “insurreição xucra” ou “guerra civil”; para religiosos, ocorreu uma “rebelião de fanáticos”; para sociólogos, houve um “conflito social”; para antropólogos, foi um “movimento messiânico”; para políticos, uma tentativa de desestabilização das oligarquias; para administradores públicos, aconteceu uma “questão de limites”; para militares, tratou-se de uma “campanha militar”; para socialistas, aconteceu uma “luta pela terra”.
Entretanto, para historiadores regionais da atualidade, a Guerra do Contestado foi tudo isso simultaneamente. A formatação histórica do Contestado é ímpar. Não há uma motivação única, com início, meio e fim, para caracterizar o fato.
Nesta proposição, transcorridos 90 anos, o evento é entendido como a insurreição do sertanejo catarinense, provocada pelo avanço do capitalismo na região, influenciada pela construção da ferrovia, pela ação danosa da madeireira Lumber Company, pela questão de limites entre Paraná e Santa Catarina, pelo jogo de interesses entre fazendeiros e políticos, pelo misticismo que havia entre os caboclos, pela estratificação social e sistemas de vida da época, pela posse da terra, pelo messianismo e pela índole guerreira dos sertanejos. Como evento complexo, tem-se que este conflito eclodiu coincidentemente em tempo e espaço, na junção de motivações sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais, não podendo mais ser analisado e discutido sob um único prisma ou tomado isoladamente por apenas um destes fatores.
ANTECEDENTES & PRECEDENTES
Para saber desta guerra que, para efeito de estudos, divide-se em três momentos, de fanatismo, de banditismo e de genocídio, faz se necessário conhecer alguns antecedentes e precedentes.
Questão de Limites
Desde a formação do Império Brasileiro, as províncias de São Paulo e Santa Catarina não conheciam seus limites. Em 1853, com a criação da Província do Paraná, desmembrada de São Paulo, abriu-se o debate sobre a linha limítrofe, discussão que passou a ser mais acirrada entre as duas unidades da federação após a Proclamação da República. A questão envolvia o chamado “Território Contestado”, localizado entre os rios Iguaçu (ao Norte) e Uruguai (ao Sul), da Serra Geral (a Leste) até a fronteira com a Argentina (a Oeste), na época sob administração paranaense.
Enquanto as partes discutiam fórmulas para resolver o assunto, o Império havia decidido em 1789 que, provisoriamente, caberia ao Paraná administrar as terras a Oeste do Rio do Peixe. Em 1900, o Governo de Santa Catarina impetrou ação judicial contra o Estado do Paraná no Supremo Tribunal Federal, reclamando direitos sobre todo o território.
Em 1904, a Corte manifestou-se oficialmente pró-Santa Catarina, decisão que foi confirmada em 1909 e ratificada em 1910, determinando que os paranaenses entregassem a administração das terras aos catarinenses. O Governo do Paraná, apoiado pela população, rebelou-se e não acatou a decisão, com o que criou um impasse jurídico-administrativo no País, enquanto Santa Catarina ficou na expectativa.
Na disputa por limites, envolvendo questões de posse de terras e exploração de ervais, três confrontos importantes antecederam a Guerra do Contestado.
O primeiro: em dezembro de 1905 e em janeiro de 1906, na Vila Nova do Timbó, Demétrio Ramos, ex-maragato, primo do governador catarinense Vidal Ramos Júnior, depois de se desentender com seu antigo desafeto Capitão Fabrício Vieira, ex-pica-pau, reuniu 600 homens e, por duas oportunidades, enfrentou a força policial do Paraná e um destacamento do Exército.
O segundo: em setembro de 1909, o ex-maragato e catarinense Coronel Aleixo Gonçalves de Lima, à frente de 500 homens da Guarda Nacional, invadiu uma área que o Paraná dizia ser sua na Estrada Dona Francisca, afugentando a força policial paranaense que protegia uma barreira de impostos próxima a São Bento. A reação foi imediata, mas Aleixo retirou-se e entrou em Joinville como vitorioso, irritando o Governo do Paraná.
O terceiro: em outubro de 1912 o Governo do Paraná entendeu como invasão catarinense a presença de um grupo civil que protegia o retirante de Taquaruçu, monge José Maria em São João do Irani e mandou o Regimento de Segurança para enfrentá-lo, o que aconteceu no Combate do Banhado Grande.
Estrada de Ferro
Durante a questão de limites, em 1906, no interior nas terras contestadas, entre os rios Iguaçu e Uruguai, marginais ao Rio do Peixe, começou a ser construído um trecho de 372 km da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, para efetuar a ligação entre Itararé (São Paulo) e Santa Maria (Rio Grande do Sul). Ao mesmo tempo, desde 1911, estava em andamento na região a construção de outro trecho, entre o porto de São Francisco do Sul e Porto União da Vitória (no Rio Iguaçu), parte de uma projetada ferrovia que demandaria até Assunção, no Paraguai.
Estes trechos, com obras vagarosas até 1908, foram incorporados pelo truste do norte-americano Percival Farquhar, que comprou a concessão federal e havia constituído a holding Brazil Railway Company. Em pagamento, além da garantia de juros pelo capital investido, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio-Grande, que rasgou o Contestado com os trilhos – em forma de cruz – de 1908 a dezembro de 1910, teve o direito de receber terras devolutas, destinadas à colonização com imigrantes, revoltando a população sertaneja local, que ficou impedida de requerer posse.
Para piorar o quadro, milhares de trabalhadores trazidos de várias partes do país pela empresa, despedidos das obras entre 1911 e 1912, se embrenharam no sertão.
Lumber Company
Atraído pela riqueza florestal da região contestada, cortada vertical e horizontalmente pelas ferrovias, o mesmo Sindicato Farquhar tratou de promover a instalação de uma serraria monumental, a Southern Brazil Lumber & Colonization, com a primeira unidade em Calmon (1908) e, logo depois, em Três Barras (1912). De paranaenses, a empresa adquiriu milhares de hectares de terras, cobertas pela Floresta da Araucária, utilizando métodos que foram considerados fraudulentos, pois, parte dos títulos expedidos pelo Paraná continham registros em duplicata em Santa Catarina, isso porque ambos transferiam imóveis como terrenos devolutos a fazendeiros-coronéis, políticos que usufruíam as benesses do poder em cada Estado.
Já em 1911, na região de Canoinhas, pela perda de terras, revoltaram-se, o ex-maragato Major Aleixo Gonçalves de Lima, mais Bonifácio José dos Santos, o “Papudo” e Antonio Tavares Júnior, catarinenses legítimos, todos desafetos dos próparanaenses primos Thomas e Fabrício Vieira, criando confusões armadas. Com seu Corpo de Segurança, fortemente municiado, contratando apenas imigrantes como seus trabalhadores, a partir de 1912 a Lumber começou a investir contra a população sertaneja habitante no interior das matas, expulsando-a e, com isso, atraindo a ira cabocla, também revoltada pelo abate indiscriminado dos pinheiros centenários.
Messianismo e Misticismo
A maioria da população da Região do Contestado era formada por uma população cabocla, pobre e inculta, de índios, negros e luso-brasileiros que, ao longo dos anos, havia se internado nos sertões e nos campos e vivia do cultivo de roças, criação de porcos selvagens, extração da erva-mate, tropeirismo de carga e trabalhava nas fazendas
de criação de gado como peões ou agregados.
A forte ascendência portuguesa dos caboclos abrigava a crença importada do sebastianismo lusitano. Assim, a população revelava expressões de messianismo e de muito misticismo. Diante da ausência praticamente total da Igreja Católica, os sertanejos buscaram conforto espiritual nos monges, profetas, curandeiros, pregadores e eremitas, que peregrinavam pela região, dentre eles destacando-se dois, de nomes João Maria de Agostinho e João Maria de Jesus. Quando os monges, confundidos como um só na figura imaginária de São João Maria, desapareceram, surgiu outro, Miguel Lucena de Boaventura, que adotou o nome de José Maria, o qual, depois de sair do Palmas, no Paraná, chegou à região de Taquaruçu, em Santa Catarina, onde foi acolhido como irmão de João Maria e tido como “novo monge”.
O Superintendente de Curitibanos, Francisco Ferreira de Albuquerque, sentindo ameaçada sua autoridade, anunciou retaliação, com o que José Maria decidiu regressar ao Irani, nos campos-de-baixo de Palmas, acompanhado por escolta popular.
Combate do Irani
O Paraná, que dava proteção ao Sindicato Farquhar, protegia todas as terras na área do Vale do Timbó e a Oeste do Rio do Peixe, que estavam sob sua administração. Mesmo assim, não conseguiu impedir a instalação de alguns posseiros, na maioria ex-maragatos rio-grandenses, como os Fragoso e os Fabrício das Neves, nos campos do Irani. Ali, um grupo econômico paulista, ligado a Farquhar, que havia adquirido a Fazenda Irani com a intenção de instalar a Companhia Frigorífica e Pastoril, desistiu do plano e revendeu o imóvel a figuras paranaenses importantes.
Em outubro de 1912, um pequeno grupo de catarinenses, que havia acampado em Taquaruçu e ali formado um “quadrosanto”, acompanhando o curandeiro José Maria, ao ser expulso pelo Superintendente de Curitibanos, atravessou o Rio do Peixe, refugiando-se no povoado de São João do Irani. Com o acirramento das tensões na questão de limites e intrigas por terras, a atitude foi considerada como uma invasão de catarinenses, merecedora de retaliação armada.
O Paraná enviou à área uma expressiva força do seu Regimento de Segurança para expulsar os pseudo-invasores, vindo a combater com os defensores de José Maria no Banhado Grande, resultando na morte do curandeiro e do comandante militar, além de dezenas de envolvidos, o que provocou grande consternação em Curitiba.
Descaso governamental
As oligarquias que se consolidaram já nos primeiros tempos da República Velha, enquanto no poder, desleixaram em relação ao Território Contestado, permitindo que, aos homens bons que aqui se instalavam, sem controle, misturassem-se aventureiros, pessoas de má índole, perversas, desqualificadas social e moralmente.
As riquezas naturais da Região do Contestado só foram percebidas pelo palácio florianopolitano depois que a estrada de ferro rasgou o território, depois que a madeireira Lumber iniciou a devastação da Floresta da Araucária, depois que enxergou o quanto o Paraná arrecadava com impostos sobre os ervais nativos e depois que constatou que, se houvesse um plebiscito, a população optaria pelo Estado-presente, o Paraná, e pelo Governo-presente, o paranaense.
Os valores humanos desta região só foram percebidos quando já era tarde demais. Ao invés de acolher, assistir, proteger e animar o Homem do Contestado, tratando-o como catarinense legítimo, como um desbravador, desprezou-o, preferindo ouvir os coro néis-de-roça e os chefetes-de-aldeia que sustentavam a oligarquia às custas da pobre gente cabresteada.
Percebe-se que os discursos veiculados pela imprensa nacional e dos estados contribuíram, de alguma forma, para consolidar a imagem do sertanejo como um mestiço inferior, através de suas características de fanático e criminoso, dos militares como bravos guerreiros e dos grandes proprietários de terras como vítimas do conflito social que envolveu o homem do campo. Assim, ignoradas questões de ordem social, política e econômica, o movimento do Contestado foi lançado na história oficial a partir do pensamento das elites intelectuais dominantes, que apenas retrata um modo de pensar “branco”, a visão dos militares e o coronelismo da época. Esta mesma linha de pensamento teve seqüência na História pelos oficiais do Exército Brasileiro que escreveram sobre o conflito. A imagem de um caboclo inculto, selvagem, bárbaro, fanático, desamparado, analfabeto, bandido, criminoso, bandoleiro, terminologia de presença constante na imprensa, quase que simultaneamente passou para as obras dos oficiais do Exército.
Nacionalismo e Militarismo
A Guerra do Contestado aconteceu num momento em que começava a criar raízes no Brasil a Liga de Defesa Nacional e a Campanha do Serviço Militar, anunciadas futuras instituições que só sensibilizariam a população, se fosse fortalecido o Exército Brasileiro. Ao lado dos militares, muitas pessoas desempenharam este tipo de apostolado cívico, pró-cidadania, pró-patriotismo, pró Exército.
Na sua gestão 1914-1918, Wenceslau Braz impôs sua liderança à Nação. Para cativar os militares, utilizou todo o seu prestígio para restaurar o comando presidencial sobre as Forças Armadas. Então, deu continuidade ao programa de profissionalização do alistamento militar, que havia sido iniciado em 1908 pelo Marechal Hermes da Fonseca, ainda quando Ministro da Guerra, mas que não pôde conduzi-lo enquanto Presidente, devido ao caos político reinante.
Em 1914, no tempo que precedeu a I Guerra Mundial, os brasileiros tinham desviadas suas atenções sobre os problemas sociais e políticos internos, para o entusiasmo pelo militarismo, patriotismo e nacionalismo. O movimento cívico-patriótico brasileiro, que viria a se intensificar a partir de 1917, canalizou-se na Liga de Defesa Nacional, com a entrada do Brasil na Guerra, em outubro deste ano.
Coincidindo com o final da intervenção direta do Exército Brasileiro na Guerra do Contestado, Olavo Bilac expunha seu pensamento sobre o momento histórico da consciência nacional naqueles anos. Aderindo à conclamação pelo serviço militar obrigatório no Brasil, Bilac denunciava a falta de patriotismo, pregando que a Nação só se ergueria com um Exército forte. As palavras de Olavo Bilac, também criticando as elites políticas brasileiras, aplaudidas pelos militares, servem para justificar - entre outras justificativas - porque as operações de forças do Exército Brasileiro eram sobejamente destacadas e valorizadas pela imprensa (nacionalista e patriótica) e porque as intervenções de seus oficiais (heróis nacionais) ganhavam brilho em todas as páginas,
como aconteceu durante e depois da Guerra do Contestado.
A GUERRA DO CONTESTADO (1913-1916) - Fase Inicial
Transcorria o segundo semestre de 1913. A espiritualidade dos monges João Maria e José Maria ainda estava forte na lembrança dos caboclos catarinenses, que recebiam esporádicas visitas anuais missioneiras de padres alemães franciscanos. A autoridade policial e judicial, atrelada aos coronéis da política regional, continuava sendo desconhecida pela população. A companhia ferroviária media seus terrenos ocupados pelos sertanejos e iniciara a instalação de colônias com imigrantes alemães, ao mesmo tempo em que a Lumber Company promovia desenfreada devastação florestal e expulsava os desamparados posseiros. Nos tribunais superiores e nas tribunas legislativas, a questão de limites entre os Estados litigantes continuava sendo discutida. Caindo nas mãos de políticos influentes e amigos do poder nas capitais, as terras virgens viraram objeto de especulação imobiliária. Em épocas de eleições, os peões alistados eram reunidos em “currais” para receberem orientações em quem votar. Às milhares de famílias, que sequer eram contadas nos censos, não se estendiam ações de saúde, assistência social, segurança, comunicações e educação.
Em Taquaruçu, a deflagração
Em setembro de 1913, no mesmo local do quadro-santo original – Taquaruçu – surgiu uma nova “cidade-santa”, formada por discípulos e seguidores de João Maria e José Maria, atraídos pelo seduzido e crente fazendeiro Eusébio Ferreira dos Santos e sua neta
Teodora, considerada vidente. O messianismo foi revigorado, com a promessa da ressurreição do finado José Maria. Rapidamente, o local atraiu a população mística, que se concentrou e se organizou. O ajuntamento religioso caboclo chamou a atenção do governo de Santa Catarina que, temendo a repetição do acontecimento de um ano antes, pediu a participação do Exército para dissolvê-lo. O Paraná, mesmo reconhecendo estar Taquaruçu a Leste do Rio do Peixe, não via com bons olhos a presença militar na região, pois entendia que esta poderia invocar a execução da decisão do STF pró-Santa Catarina na questão de limites.
No dia 15 de dezembro de 1913, a região assistiu a chegada de forças militares federais e policiais catarinenses em Rio Caçador, em Campos Novos e em Curitibanos, de onde partiram rumo a exemplo das manifestações místicas na “Cidade Santa de Taquaruçú”, os caboclos do Contestado realizavam diariamente procissões religiosas nos quadros-de-reza, montados no interior dos redutos, quando, dando “vivas” a São João Maria, a São
Sebastião e a José Maria, rogavam por forças para condução a vitórias nas batalhas. Taquaruçu. Faltou sincronia, com o que as colunas de 230 homens se movimentaram em momentos diferentes. Sentindo a proximidade, os caboclos investiram e, no dia 29, derrotaram com pesadas baixas, uma das tropas agressoras, fazendo com o que as demais recuassem, vergonhosamente. Este combate marcou o início da guerra.
Nos primeiros dias de janeiro de 1914, na vila de Curitibanos, é assassinado pelo Superintendente local, o cidadão Praxedes Gomes Damasceno, líder comunitário de Taquaruçu, quando tentava recuperar uma tropa de mulas cargueiras apreendidas. Isso acirrou os ânimos na “cidade santa”, a ponto de, ali, expulsarem Frei Rogério Neuhaus, que havia tentado dissuadir os ajuntados. O Governo de Santa Catarina fez novo apelo ao Exército, que reuniu uma tropa de 754 homens, sob o comando do Tenente Coronel Duarte de Alleluia Pires, com ordens de efetuar um ataque implacável.
Diante do observado poderio militar, os caboclos decidiram se retirar de Taquaruçu, em direção ao Norte, a Caraguatá, na Serra do Espigão. Na chuvosa noite de 8 de fevereiro, quando a artilharia iniciou cerrado bombardeio com granadas e bombas schrapnell, os sertanejos partiram, deixando uma guarda de poucas dezenas de combatentes, que foi dizimada pelas metralhadoras na manhã seguinte. O comando militar entendeu que houve a dissolução do acampamento caboclo e se retirou para Calmon, com a intenção de regressar aos quartéis.
Caraguatá e o Exército Encantado
Na área do Distrito de São Sebastião do Sul, Vila de Perdiz Grande, Município de Curitibanos, no alto da Serra do Espigão, o reinado era de antigos farroupilhas e maragatos, dentre eles os irmãos Elias de Morais e Bonifácio Morais, que tiveram suas terras expoliadas pelos “bendegós” promovidos pelo governo catarinense. A eles juntaram-se integrantes da família Sampaio que, ao lado de membros da família dos Almeida, dos Vidal, dos Crespo, dos Paes de Farias, dos Lima, dos Rocha e outros, eram inimigos do Coronel Albuquerque. Ali, junto a Canhada Funda do Arroio Caraguatá, elegeram uma menina, de apenas 13 anos de idade – Maria Rosa – como Comandante Suprema do Exército Encantado de São Sebastião, naquele momento criado para defender a honra cabocla dos agressores militares.
Tomando conhecimento da nova concentração, o Exército procedeu o reforço da expedição e a substituição do comando, de Pires para o Tenente Coronel José Capitulino Gomes Gameiro, que imediatamente ordenou um ataque frontal a Caraguatá, com mais de 700 homens. Os caboclos não se intimidaram e revidaram, sendo vitoriosos nos combates de corpo-a-corpo do dia 9 de março em mais uma desarticulada e desastrosa investida militar. Os corpos dos soldados mortos foram pendurados, enforcados, em galhos de pinheiros, para que o odor do putrefamento ao ar livre, afastasse novas tentativas de ataque. A tropa derrotada recuou novamente para Calmon.
Em Caraguatá, as condições de vida salubre eram insatisfatórias. De pronto, ocorreu uma epidemia de febre tifóide, causando muitas mortes. A jovem Maria Rosa, tida como “virgem”, ouvindo os líderes rebelados, decidiu empreender a retirada para a região do Timbó, descendo a Serra em direção a Bom Sossego, espalhando as famílias pelos redutos de Pedras Brancas, São Pedro, Caçador Grande, Tamanduá, São Sebastião, Santo Antonio, Timbozinho e Vacas Brancas. Organizou-se o Exército Encantado, inicialmente com 3.000 homens e 2.000 mulheres, com o Conselho de Comandantes, formado pelos líderes dos piquetes-de-briga e chefes-de-redutos, incluindo o Comandante- Geral Elias de Morais, José Aleixo Gonçalves, Eusébio Ferreira dos Santos, Antonio Tavares Júnior, Agostin Saraiva, o “Castelhano” (sobrinho de Gumerindo Saraiva e de Aparício Saraiva, comandantes maragatos da Revolução Federalista de 1894), Olegário Ramos, Maria Rosa, Joaquim Germano, Conrado Gröbber, Francisco Alonso, Henrique Wolland, Benevenuto Luno, o “Venuto Baiano”, este depois verificado como “paranaense infiltrado” para jogar a população cabocla catarinense contra o Exército, Sebastião dos Campos, Francisco Paes de Farias, o “Chico Ventura” e Adeotado Ramos, o “Deodato”, que viria a ser o mais famoso “jagunço”.
A União tratou de ampliar as tropas, chamando destacamentos gaúchos e nomeando o General Carlos Frederico de Mesquita para o comando. O segundo grande ataque ao Reduto de Caraguatá, anunciado à Nação como “vitória”, na verdade, foi novo fracasso.
Na missão de extermínio, que juntou 3.000 soldados no Contestado, o Exército bombardeou e metralhou só espaços vazios. Isso não impediu que, em maio, Mesquita anunciasse o fim da resistência sertaneja e determinasse o retorno aos quartéis, deixando na região, para a estação do frio inverno que se aproximava, apenas um pequeno destacamento, sob o comando do Capitão Matos Costa, ele que, fazendo amizades entre os caboclos, tentou pacificar a revolta e evitar a organização de nova expedição militar, sem sucesso.
A Guerra do Contestado (1913-1916) - Fase final
Banditismo no Contestado
Durante o rigoroso inverno de 1914, quando na região as temperaturas alcançam 10 graus centígrados negativos e há ocorrências de geadas e nevascas, os caboclos se organizaram, iniciando uma fase de banditismo ao atacar as fazendas para roubar gado e grãos e para arregimentar pessoal para reforçar os redutos. Na medida em que se armavam e municiavam, intensificaram os ataques. Fortemente guarnecida, a cidade catarinense de Canoinhas foi alvo de diversas investidas de grupos comandados por Antonio Tavares Júnior e Bonifácio Papudo, sem êxito, a maior delas em julho. Na área do Paraná, piquetes de Henrique Wolland, o “Alemãozinho”, ocuparam Papanduva de 27 de agosto a 3 de setembro. No dia seguinte, o ataque foi dirigido a Itaiópolis. Quando a serraria da Lumber Company de Três Barras foi ameaçada, seus diretores pediram proteção e, como esta localidade era vizinha a Canoinhas, mas sob administração paranaense, não foi mais possível ao Paraná deixar de se envolver diretamente no conflito.
Atendendo aos apelos dos governantes dos dois Estados, o Ministério da Guerra chamou o General Setembrino de Carvalho, que estava atuando na pacificação dos rebeldes do Padre Cícero, como Interventor no Ceará. Quando ele começou a organizar sua expedição, ainda no Rio de Janeiro, os caboclos se lançaram à ofensiva, sob o comando de Francisco Alonso e Venuto Baiano. No dia 5 de setembro a serraria e os depósitos de madeira da Lumber Company, de Calmon, foram incendiados, do ataque resultando em apenas um sobrevivente.
No dia seguinte, aconteceu o ataque ao povoado de São João. A composição ferroviária, saída de Porto União da Vitória com um destacamento militar sob o comando do Capitão Matos Costa para socorrer Calmon, foi atacada e praticamente dizimada quando chegava a São João, registrando-se a baixa do comandante. Os ataques alcançaram todas as estações ferroviárias, fazendas e lugarejos ao Norte de Rio Caçador. Assustada, a maioria da população de Porto União da Vitória fugiu para Ponta Grossa. A investida contra o Capitão Matos Costa foi condenada pelo Conselho de Comandantes que, em represália, determinou a execução do mentor do assalto, Venuto Baiano.
Piquetes sob o comando de Agostín Saraiva investiram contra Curitibanos, onde incendiaram parte das casas, expulsaram as autoridades e ocuparam a cidade por três dias. Dali, dirigiram-se para os campos de Lages, levando o pânico à população campeira, até que “Castelhano”foi morto por populares.
Outros piquetes saíam do Timbó em direção aos campos do Corisco, investindo contra fazendeiros de Santa Cecília. No dia 2 de novembro, o piquete de Chico Alonso atacou a colônia alemã de Rio das Antas. Ali, Alonso foi assassinado por Adeodato Ramos, que assumiu o comando do grupo e, a partir de então, revelou-se como o mais temido chefe de redutos, superando o poder de Maria Rosa, que foi destituída do comando geral.
Expedição Setembrino
Em Curitiba, o General Setembrino de Carvalho organizou seu Quartel General, mobilizando boa parte do Exército Brasileiro. Chamou seis regimentos de Infantaria, dez batalhões de caçadores, três batalhões de infantaria, quatro regimentos de cavalaria, duas companhias de metralhadoras, um grupo de artilharia de montanha, um batalhão de engenharia, pelotões de trem, seções de ambulância e hospitais de sangue. Diante da ascensão dos ataques dos sertanejos, dispersos na vasta região, dividiu as forças em quatro colunas, a Norte em Canoinhas, a Leste em Rio Negro, a Oeste em Porto União da Vitória e Rio Caçador e a Sul em Curitibanos, para fazer um grande cerco e, aos poucos, com o estreitamento das linhas armadas, apertar e confinar os rebeldes a um só lugar. Depois de requisitar e receber tropas de todas as Armas, inclusive a aviação civil do Rio de Janeiro, ele se transferiu de Curitiba para a região em conflito no mês de dezembro.
Na zona conturbada, em que o tráfego dos trens foi prejudicado, os combates entre os caboclos e os militares eram diários. Aos poucos, o cerco foi sendo apertado, com os sitiados começando a sentir a falta de alimentos, armas, munições, roupas e remédios.
Sem mais condições para lutar, centenas de famílias renderam-se aos comandos das colunas. Na mata, a ainda resistência ativa sobrevivia escapando de um reduto para outro. A fome fez com que cavalos, cachorros, cintas, cangalhas, arreios, bruacas e chapéus de couro cru se constituíssem em alimento. Uma nova epidemia de tifo espalhou-se na região no início de 1915, alcançando inclusive militares, como foi o caso do então Aspirante a Oficial, Henrique Teixeira Lott.
O Exército só começou a ter êxito nas suas operações de guerra após a contratação de centenas de civis, habitantes da região que não haviam se envolvido com os rebeldes, conhecedores do terreno, que foram colocados a soldo junto aos destacamentos para guiar e orientar os soldados. Entre estes, chamados de “peludos”, destacaram-se Fabrício Vieira, Carneirinho, Pedro Ruivo, João Alves de Oliveira, João Göetten Sobrinho, Maximino Morais e Nicolau Fernandes.
Não foi possível o emprego a contento dos aeroplanos em bombardeios. Depois de realizar vôos de observação, o avião pilotado pelo Tenente Ricardo Kirk caiu no dia 1º de março, quando se dirigia de Porto União da Vitória ao campo de aviação de Rio Caçador, onde seria municiado com bombas para lançar sobre o reduto de Santa Maria. O trágico acontecimento foi registrado no pioneirismo da aviação militar brasileira.
Em fevereiro, sob o comando geral de Deodato, os caboclos se concentraram no Vale de Santa Maria, no centro da área do Timbó, no coração da Serra do Espigão, um local quase inexpugnável. Ali, resistiram aos bombardeios dos canhões da Coluna Sul, até sucumbirem à valentia de um destacamento da Coluna Norte, comandada pelo Capitão Tertuliano Potyguara, que, depois de um bem sucedido “raid” pelo Timbozinho em março, avançou pelos rios Timbó e Caçador Grande, dizimando as guardas e redutos, entrando no vale pelo Arroio Santa Maria na Semana da Páscoa.
A Carnificina desta expedição, encerrada dia 5 de abril, onde morreram Maria Rosa e muitos comandantes caboclos, resultou em mais de mil mortos e seis mil casas e casebres incendiados. Os sobreviventes do etnocídio – ou genocídio – conseguiram fugir para outro reduto, o de São Pedro.
O FINAL DE UMA HISTÓRIA (conclusão)
Dissolvida a Expedição do General Setembrino em abril, nos meses que se seguiram, até dezembro de 1915, as remanescentes forças militares do Exército e da Polícia de Santa Catarina realizaram a chamada “Operação Varredura”, destinada a caçar e eliminar todos os sobreviventes caboclos que haviam liderado piquetes ou se destacado nos combates. Ficaram famosos os fuzilamentos coletivos ocorridos em Perdizinhas e em Butiá Verde, com os cadáveres sendo queimados em meio a grimpas de pinheiros e sepultados entre cercas de taipas de pedras. Com a prisão de Adeodato Ramos, em janeiro de 1916, sem mais liderança, pouco restou dos grupos rebeldes.
Ao final do conflito, levantaram-se oficialmente as baixas nos efetivos legalistas militares e civis: de 800 a 1.000, entre mortos, feridos e desertores. Por outro lado, estimaram-se as baixas na população civil revoltada: de 5.000 a 8.000, entre mortos, feridos e desaparecidos. O custo da Guerra do Contestado para a União foi de cerca de Rs.3.000:000$000, mais os soldos militares.
Com a vitória, quem mais ganhou com o conflito foi o Exército Brasileiro que, vindo de desgastes anteriores desde a Guerra do Paraguai, Campanha de Canudos e participações desarticuladas, desorganizadas e desastrosas nas intervenções em diversos Estados da incipiente República, passou a se apresentar como uma organização nacionalista, sólida e responsável, digno de respeito, assim abrindo caminho para – conforme a pregação de Olavo Bilac – a instituição do Serviço Militar no Brasil.
Cessados os combates na região, em agosto de 1916, no Rio de Janeiro, os governadores do Paraná e de Santa Catarina assinaram um “Acordo de Limites”, dividindo entre si o Território Contestado. Com isso, após a homologação do documento pelos legislativos estaduais, os catarinenses assumiram de fato a administração das terras ao Sul dos rios Negro e Iguaçu, nos vales dos rios Timbó, Timbozinho, Paciência e Canoinhas e a Oeste do Rio do Peixe.
Em 19 de janeiro de 1918, a União anistiou todos os envolvidos. A Guerra do Contestado começaria a entrar para a História do Brasil do Século XX. O Estado de Santa Catarina encontrou muitas dificuldades para desencadear seu plano de povoamento nas terras que lhe foram anexadas por força do acordo, à vista da sobreposição de títulos sobre as glebas demarcadas e destinadas à colonização. Como grande parte dos imóveis haviam sido legitimados pelo Paraná, antes de 1916, parte do piquete civil de Pedro Ruivo, formado por caboclos catarinenses e paranaenses, considerados “peludos”, a serviço do Exército, num momento de desconcentração, antes de entrar em combate na região do Timbó, tanto à Companhia EFSPRG como a fazendeiros e a especuladores paranaenses, as questões foram levadas aos tribunais. O Governo Catarinense perdeu todas as ações judiciais movidas contra a Cia. Estrada de Ferro São Paulo Rio-Grande.
O Governo estadual escolheu como sistema de colonização do Território Contestado a cessão de imensas glebas a particulares, preferencialmente àqueles que compartilhavam o poder político e se propunham à abertura de estradas, titulando-lhes, em parte, as mesmas terras que o Paraná havia concedido à EFSPRG. As ligações rodoviárias foram eleitas como de fundamental importância para a integração catarinense. A década de 1920 marcaria o início da introdução da modernidade, da efetiva ocupação e do desenvolvimento do Planalto Catarinense, integrando o sertão à faixa litorânea. Entre outros resultados, sobressaíram-se a indústria madeireira e o modelo agrícola minifundiário e policultor, que gerou a agro-indústria.
Efetivamente, o desenvolvimento econômico na Região do Contestado começou quando da chegada das primeiras levas de imigrantes europeus, alemães, italianos, poloneses e ucranianos, e de descendentes de imigrantes, na maioria ítalo-brasileiros e teuto-brasileiros, que vieram tanto para explorar a floresta, em latifúndios, implantando a indústria da madeira, como trabalhar na agricultura, em minifúndios.
As propriedades destinadas à colonização foram divididas em colônias e, em pouco tempo, os núcleos coloniais transformaram-se em povoados. No Setor Ocidental da Região do Contestado, ao longo do Vale do Rio do Peixe, estes núcleos, mais os antigos arraiais, prosperaram, com o que surgiram novas vilas, algumas delas que se elevaram à categoria de cidades, como Caçador, Videira, Tangará, Capinzal, Piratuba, num primeiro momento, e Rio das Antas, Pinheiro Preto, Ibicaré, Treze Tílias, Lacerdópolis, Ouro e Ipira, logo em seguida.
Destes, mais tarde, nasceram Macieira, Salto Veloso, Arroio Trinta, Luzerna, Iomerê e Jaborá. No Alto Uruguai despontou Concórdia, do qual também originaram-se os municípios de Presidente Castelo Branco, Lindóia do Sul, Ipumirim, Arabutã e Alto Bela Vista. Em áreas pouco contempladas com projetos de colonização, nos antigos Campos de Palmas-de-Baixo prosperaram as cidades de Água Doce, Catanduvas, Irani e Ponte Serrada. Já Matos Costa surgiu nos antigos Campos de São João, e Calmon nos Campos de São Roque. Fraiburgo originar-se-ia na área do Campo da Dúvida, Taquaruçu e Butiá Verde, enquanto que Lebon Régis, Santa Cecília e Timbó Grande foram as primeiras cidades na Serra do Espigão. O Município de Campos Novos logo cedeu terrenos também para a formação dos municípios de Herval d’Oeste, Erval Velho e Monte Carlo. Em seguida, para Brunópolis, Vargem, Abdon Batista, Zortea e Ibiam. Curitibanos manteve a integridade territorial por muito anos, até que cedeu terras para Correia Pinto e Ponte Alta, depois para São Cristóvão do Sul, Ponte Alta da Norte e Frei Rogério.
Completando o desenvolvimento municipal na Região do Contestado, temos que, no Planalto Norte, desmembrados de Porto União, Canoinhas e Mafra, surgiram os municípios de Três Barras, Irineópolis, Papanduva, Major Vieira, Monte Castelo e Bela Vista do Toldo.
Para a posteridade, o Homem do Contestado legou a Santa Catarina uma herança cultural que inclui: uma lição de valentia e de bravura, não se submetendo à tirania e à opressão, preferindo lutar e morrer tentando ser livre; a consolidação do exemplar regime de minifúndios policultores, provando a todos a possibilidade de, mesmo pequeno, ser grande; o nobre sentimento de defesa de seu patrimônio ambiental, desde quando o equilíbrio ecológico passou a ser ameaçado pela devastação; finalmente, uma contribuição ímpar na descoberta de caminhos para levar os catarinense a conquistar a sua cidadania através da ação comunitária.
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