Anatomia de uma Enchente

 

HISTÓRICO

 

União da Vitória é o resultado das infiltrações de tropeiros e colonizadores, efetuadas na região Sul da província de São Paulo, ligando os primeiros povoados dos Campos de Palmas.

 

Foi nos idos anos de 1769; por ordem do Governador-Geral da Capitania de São Paulo, partiu, dos campos de Curitiba, o Capitão Antônio da Silveira Peixoto, com o objetivo de explorar as regiões do Sul e Oeste da então 5ª Comarca de São Paulo. Navegando o rio Iguaçu, Silveira Peixoto atingiu a localidade onde hoje se acha a cidade de União da Vitória, e aí fundou o Entreposto de Nossa Senhora da Vitória.

 

Deixando no local parte da comitiva, capitão Silveira Peixoto, prosseguiu viagem, através do interior do Paraná, Esta mesma expedição atingiu os Campos de Guarapuava.

 

O entreposto de Nossa Senhora da Vitória seria o ponto de partida para outras expedições ao território da zona Sul da Capitania.

 

Assim, em 1772 foi enviado pelo governo de São Paulo o sargento-mor Francisco José Monteiro, que veio assumir o comando e chefia do refinado Entreposto.

 

Em 1863 o povoado já merecia alguma consideração, contando com 10 famílias, com suas casas instaladas e dedicando-se ao trabalho do cultivo da terra e ao desenvolvimento da localidade. Em 1880 chega a Porto União da Vitória o verdadeiro civilizador da região, com o intuito de fundar uma cidade no lugar onde se encontravam esses moradores. Era o coronel Amazonas de Araújo Marcondes, natural de Palmas.

 

O coronel Marcondes era o filho mais velho do fazendeiro Francisco Inácio de Araújo Pimpão, dos Campos de Palmas, que o enviara visando a facilitar os meios de comunicação entre aquela região e a cidade de Curitiba.

 

Para isso mandou que seu filho se estabelecesse em determinado ponto da margem esquerda do rio Iguaçu. Instalou-se em Porto União da Vitória. Ali ele ficou como adquirente das mercadorias transportadas por jangadas ou balsas; verificou ele desde logo, ser esse um meio de transporte obsoleto e antiquado. Em vista disso, Amazonas Araújo Marcondes resolveu organizar uma empresa de transportes fluviais, tendo seguido para o Rio de Janeiro, onde comprou o primeiro vapor destinado a esta empresa, o qual foi batizado com o nome de "Cruzeiro". Com esse barco, o intrépido bandeirante começou a semear o progresso na região, fazendo o percurso entre Porto União da Vitória e Porto Amazonas.

 

Além da iniciativa em modernizar o transporte fluvial, Amazonas Marcondes, trouxe consigo muitos agregados, que foram considerados moradores propriamente ditos. Por essa época Palmas foi elevada à categoria de vila e União da Vitória, à de freguesia, pela Lei Provincial nº. 615, de 22 de abril de 1880.

 

Tendo adquirido vasta gleba de terras, o coronel Amazonas Marcondes iniciou a cultivá-la, com pessoal contratado. Já em 1881, chega à União da Vitória a primeira leva de colonos alemães procedentes do Vale do Itajaí (SC) e Rio Negro (PR).

 

Pelo Decreto nº. 54, de 27 de março de 1890, foi a freguesia de União da Vitória elevada a categoria de "vila", pelo decreto nº. 55, do mesmo dia, mês e ano, passou à categoria de município, desmembrado do município de Palmas.

 

Em 1895 José Cleto da Silva Fundou a primeira escola primária e o primeiro internato. No ano de 1905 os trilhos da Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande do Sul atingiram Porto União da Vitória, sendo inaugurada a primeira estação ferroviária. Foi elevada à condição de "cidade" pela lei Estadual nº. 744 de 11 de março de 1908.

 

Devido ao tratado de Limites celebrado entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, a cidade foi dividida em duas, passando a parte que tocou ao Paraná a denominar-se União da Vitória, e a pertencente a Santa Catarina, Porto União.

 

O recenseamento de 1980 demonstrou que a população urbana chegou à casa dos 35.510 habitantes e a população rural a 4.116, perfazendo um total de 39.626 moradores. Esta massa humana a movimenta a motricidade geradora da economia na região, contando o município de União da Vitória com 865 propriedades agropecuárias, produzindo 8.400 toneladas das suas principais culturas e, com uma produção pecuária equivalente a 9.000 cabeças de suínos e 8.800 cabeças de bovinos.

 

Ao passo que, aliada ao meio rural, União da Vitória e a sede de uma micro-região sócio-econômica-cultural, fortalecida por uma indústria que apresenta 160 estabelecimentos, aliados a 420 casas comerciais.

 

Somados a força motriz, ainda pode-se contar com os serviços de 850 autônomos, que, integrados ao espírito solidário da cidade, contribuem como uma fonte geradora de rendas a tributação.

 

Contamos no município com uma densa rede escolar, com 2 faculdades ofertando 8 cursos, integrados ao sistema de Ensino que a rede Estadual possui; neste ano há 6.900 alunos matriculados nos 16 estabelecimentos de ensino em 34 escolas municipais.

 

"GENEALOGIA" DAS ENCHENTES

 

No livro intitulado de "Apontamentos Históricos de União da Vitória” (1768-1933), de autoria de Cleto da Silva, estão registradas as maiores enchentes a partir de 1891.

 

1891 - "Em julho de 1891, transborda o rio Iguaçu, em conseqüência dos grandes temporais, causando sérios prejuízos aos moradores de suas margens. Tanto cresceram as águas que o vapor Cruzeiro foi ancorado em frente à residência do Sr. Francisco Neumann, na Rua Coronel Amazonas, numa ponte de madeira ali existente. Os terrenos fronteiriços ficaram inteiramente alagados; um pequeno mar a levantar furiosas ondas. Um velho depósito que existia na margem esquerda, próximo ao porto de atracação das embarcações, pouco faltou para ser totalmente coberto pelas águas."

"Apontamentos Históricos" - página 64

 

 

1905 - "Em maio de 1905, o rio Iguaçu, crescido de águas, transborda. Os moradores das margens desse rio seus afluentes fogem da fúria da correnteza que arrasta casas, depósitos e ranchos. As linhas férreas da São Paulo - Rio Grande ficaram debaixo d’água por muitos dias. Os aterros e pontilhões são imensamente danificados."

"Apontamentos Históricos" - página 90.

 

 

1911 - “Em setembro de 1911, uma grande enchente do Iguaçu inunda as suas margens, quase cobrindo a tarefa e casa de moradia do Sr. Serafim Schefer, em União da Vitória e mais habitações das baixadas da localidade”. Só houve prejuízo material.

"Apontamentos Históricos" - página 108.

 

 

1935 - Os registros relatam o nível do Iguaçu pela altitude sobre o nível do mar. A cota das águas chegou a 747,8 metros sobre o nível do mar.

 

1970 - Penúltima enchente de grande porte. Começou no mês de dezembro. A cota no mês de dezembro chegou a 746,0 metros sobre o nível do mar.

 

 

1983 - 8 de julho. As águas do Iguaçu sobem rápidas e furiosas, o rio alcança 10,42metros e a sua cota, 750,03 sobre o nível do mar. É preciso frisar que quase anualmente várias enchentes de menor porte ocorrem no município, atingindo as populações ribeirinhas.

 

No ano passado houve duas, e foram de assustar, uma em junho e outra em dezembro.

Neste ano houve uma em maio e não foi pequena.

 

A atual já é a segunda deste ano.

Estudos feitos revelam aqui os períodos mais chuvosos do ano que vão de junho a agosto, com 300-350 mm de precipitação pluvial; e de dezembro a fevereiro, com 500 a 550 mm; e a média anual da "umidade relativa do ar" fica entre 80 e 85%.

 

A GRANDE ENCHENTE DE JULHO DE 1983

 

De 7 a 8 de julho de 1983 a vazão do rio aumentou de 1 .600m3/s e a cota subiu de 745 metros a 746,5 metros. Durante a noite de 8 de julho a vazão aumentou consideravelmente e continuou aumentando até o dia 18 de julho, quando chegou a 4.8503/s.

 

Nesse dia o rio chegou a 10,42 metros de água e atingiu a cota de 750,04 metros sobre o nível do mar. Da cidade de União da Vitória 80% estavam submersos. O nível das águas começou a baixar a partir de 18 de julho, em ritmo vagaroso, não só porque chuvas intermitentes ajudaram a manter a vazão alta, mas também porque a natureza do sistema natural de drenagem força a lenta evolução das vazões.

 

O nível do Iguaçu em 1º de agosto era de 47,81, sobre o do mar. O evento da enchente do mês de julho deste ano não se restringiu à região do alto e médio Iguaçu, mas atingiu a toda a sua bacia. E as de diversos outros rios da região Sul do Brasil, numa extensão que diz muito da excepcional idade do fenômeno.

 

SISTEMA DE ABASTECIMENTO D'ÁGUA

 

A área urbana atingida pelas águas nos dá a entender o montante dos prejuízos no sistema de abastecimento de água do município. Os vazamentos foram causados pelos deslocamentos das residências, onde o encanamento foi rompido.

A estação de captação teve seu equipamento deteriorado, submerso, e, devido a vazamentos, perigo de contaminação.

O seguinte quadro demonstra as avarias no sistema:

- instalação do sistema de emergência;

- aquisição de transformadores;

- mudança do quadro de comando;

- bombas submersas e adutoras provisórias;

- contratação de caminhões pipas de firmas particulares;

- reconstrução de cercas, pintura na casa de bombas;

- equipamento elétrico;

- 2 transformadores de 300kwa;

- recuperação de ramais prediais;

- recuperação e remanejamento de anéis e sub-adutoras;

- recuperação e remanejamento da rede de distribuição;

- cancelamento do faturamento do mês "7" e parte do mês “8”;

- mobilização da estrutura central;

- viagens, estadias, equipamentos;

 

O montante dos prejuízos em Lodo o sistema de purificação e distribuição chegou à casa dos 241.145,000 de cruzeiros.

 

SETOR DA EDUCAÇAO

 

Lastimável o estado em que ficou a rede escolar devido às águas da enchente de julho de 1983, quando, as unidades escolares tiveram suas estruturas abaladas, além da perda total dos seus móveis. Durante quase 30 dias, estas unidades escolares ficaram submersas, com todo o equipamento sendo deteriorado, o ambiente contaminado, sem contar com os entulhos que preencheram os espaços disponíveis.

Um levantamento, cujo dados estimativos projetam uma situação pré-caótica em termos de avarias, extrapolando um fato crítico, da rede escolar no município de União da Vitória.

Em termos de unidades atingidas diretamente pelas águas, temos a projeção para a rede Estadual de Ensino uma equivalência de 81,00%.

 

Das avarias pode-se ressaltar:

- pisos de tacos;

- portas, todas foram avariadas;

- forros e estruturas de suporte para o telhado;

- 100% do equipamento escolar, tais como: móveis, máquinas e similares;

- sistema de esgoto;

- fachada do prédio, pinturas.

 

Os danos em maioria pertencem aos dados acima, abrangentes em sua totalidade à unidades escolares. Tais prejuízos em termos orçamentários apresentam um dado estimativo total de 350 milhões de cruzeiros, sem incluir a recuperação do equipamento escolar, sendo esta estimativa para a recuperação da parte física, da estrutura dos prédios.

 

Além dos danos físicos, houve também a contaminação nas paredes e nos terrenos, sendo transformados em prejuízos, uma vez que é necessário o saneamento para a restauração dos mesmos.

Tendo para tal empreendimento uma despesa acentuada. Algumas unidades foram atingidas apenas pelo tufão, que atingiu a região nos primeiros dias da enchente, provocando danos de vulto em residências, sistema de eletrificação e demais prédios.

Inclusive uma escola teve sua cobertura totalmente avariada pelos fortes ventos, sendo destelhada e, as águas das chuvas intermitentes ampliaram os estragos.

 

Já, a rede de Ensino Municipal, com unidades menores, foram avariados em 70,50% do seu total. Uma escola foi destruída completamente, sendo que seus restos foram levados em parte pelas águas furiosas do rio Iguaçu.

Outras duas unidades foram avariadas em 90%, cujas estruturas foram abaladas, necessitando de reparos urgentes.

Um estudo preliminar requer uma recolocação, para que as futuras escolas sejam reconstruídas fora da faixa limitada nas cotas consideradas de "segurança".

Estas faixas apresentam uma mínima possibilidade de recorrência das enchentes. Outro risco que ocorre no meio rural, é a localização das unidades escolares próxima a terrenos sujeitos a escorregamentos. Todas as alternativas de segurança requerem custos elevadíssimos, sendo prioritários, uma vez que a vida dos educandos estão em primeiro lugar.

 

Infelizmente, o equipamento escolar ficou avariado em sua totalidade nos estabelecimentos atingidos, sendo de difícil recuperação.

Devido a sua confecção de madeira as carteiras, escrivaninhas, armários, ficaram inutilizados devido ao período durante o qual ficaram submersos.

Os setores de cursos profissionais também foram prejudicados. Com suas instalações e equipamentos duramente

atingidos, tais corno: máquinas de escrever, máquina de costura, equipamento gráfico, cozinhas, equipamentos para a merenda escolar, escritórios modelos, material didático, oficinas, entre outros.

 

Ainda é difícil estimar o "quantum" para a restauração deste setor primordial da sociedade, e que requer um tratamento especial, onde as condições para a reutilização devem ser de 100% em segurança e no setor de saúde.

Ainda restam os demais estabelecimentos de ensino; os quais não foram avariados pelas águas, mas serviram como albergues para o povo desabrigado.

SETOR INDUSTRIAL

 

Sabe-se que a economia da região gira em torno da madeira. União da Vitória se notabilizou por suas reservas florestais, principalmente de pinheiros.

 

O pinheiro foi por longo período a matéria-prima para as indústrias e para os lares e ainda é o símbolo deste Estado, e a economia baseada nele é a principal atividade industrial do Vale do Iguaçu.

 

Ao lado do pinheiro estão outras madeiras de lei impulsionando a economia, tais como a canela e a imbuia: esta nativa desta região, "sui generis" no planeta.

 

Agora a indústria da madeira evoluiu com a implantação de um parque industrial moveleiro já conceituado no território nacional. Também existe a indústria de beneficiamento de madeira que produz peças para estruturas e acabamento para residências.

 

A indústria de casas pré-fabricadas desenvolve-se no mesmo ritmo das demais, sendo seus exemplares contribuintes perenes das paisagens regionais em todo o Brasil.

 

Todo este encanto e pujança foram afogados nas águas do rio Iguaçu. Em poucas horas, foi tragado pelas correntezas violentas e devastadoras o que se construiu em várias décadas.

 

Desde ferros retorcidos enferrujados, painéis desmontados, quebrados, Máquinas emperradas, enlameadas, desmontadas, e avariadas em todos os seus sistemas: elétrico, hidráulico, mecânico.

 

Estas indústrias ficaram paralisadas totalmente, e as que não foram atingidas diretamente,também deram férias coletivas, uma vez que a maioria dos seus funcionários foram atingidos; as estradas de acesso ficaram interrompidas e nem matéria-prima e nem produtos puderam circular normalmente.

 

Era um verdadeiro colapso da economia, e não apenas uma pausa.

 

Toda a infra-estrutura industrial foi avariada, desativada. As máquinas atingidas são de difícil recuperação e o tempo é outro parâmetro notável. As avarias atingiram duramente peças que necessitam de substituição; motores estragados, uns temporariamente e outros definitivamente.

 

Estruturas e suportes de motores e máquinas foram deslocados, depreciados. Fornos desativados devido a rachaduras, entulhos danificaram sistemas de transmissão, maquinas de cortar e demais aparelhagem de uso fundamental nas indústrias. A visão de barracões destruídos demonstram muito bem a dimensão dos prejuízos. Algumas indústrias perderam todo o estoque, não só de matéria-prima, como de produtos manufaturados. Estas indústrias se situam próximas às margens do rio, em média de 250 a 300 metros, embora numa cota longe das enchentes periódicas.

 

Devido a esta proximidade seu material foi levado pelas correntezas. Madeira bruta, cortada, tábuas de diversos tamanhos foram arrastadas.

Também produtos confeccionados, como portas, esquadrias, compensados laminados, ou foram levados pelas águas, ou foram desmanchados, descolados.

 

A visão é aterradora, de um lado, indústrias atingidas pelas águas, de outro lado, pelos vendavais que se abateram sobre a região nos dias iniciais da enchente.

 

92% das grandes indústrias ficaram desativadas temporariamente, e 17.000 operários atingidos. Os estragos nas estruturas foram somados à perda do estoque, cujo montante recuperável é mínimo.

 

Não bastaram as avarias no equipamento, também a documentação sofreu um rude golpe, desde a documentação fiscal, até os documentos do departamento pessoal, é praticamente impossível recuperá-la.

 

Era triste o quadro visto nos dias da enchente. Pior ainda quando as águas baixaram desnundando um mundo de desânimo.

 

As firmas que exploram atividades extrativas no leito do rio e os portos de areia, já estavam desativados desde o mês de maio. O caudal do rio não dava condições para o trabalho.

Assim, o rol de desempregados crescia dia apos dia.

 

O soerguimento do parque industrial revitalizará a economia evitando o início de um conflito social. Cada tábua perdida será um estímulo para reconstruir. Cada peça reposta será um indicador da vontade de continuar a produzir.

 

Cada indústria recuperada será uma resposta da vontade de um povo pujante, ordeiro, cuja participação comunitária servirá para demonstrar que a "União" é a razão da vitória.                                                                  

Mais União

www.maisuniao.com.br

01/06/2013 12:06